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Sepulcros caiados

  • Foto do escritor: Vinicius Cabral
    Vinicius Cabral
  • 13 de nov. de 2019
  • 5 min de leitura

Entre as inúmeras abordagens acerca da ação humana na institucionalização das religiões em todos os períodos da humanidade, uma pode ser encontrada no capítulo I, da segunda parte de “O Livro dos Espíritos”, do Pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869) - pseudônimo: Allan Kardec.

Naquele momento do século XIX, o autor descrevia as características morais dos espíritos que se manifestavam nas reuniões de estudos mediúnicos nos primórdios do Espiritismo, os quais buscava classificar para definir metodologicamente, a compreensão de QUEM lhe relatava naquele momento, as informações acerca do mundo dos espíritos ou “a outra dimensão da vida.

Define nesse momento, 3 categorias de espíritos como sendo: Espíritos Imperfeitos, Bons Espíritos e Espíritos puros, com outros desdobramentos em cada uma delas.

É bem provável que o leitor atento, ao se deparar com tal classificação, deva ficar curioso em saber em qual dessas categorias se situa, em relação ao seu progresso espiritual. Mas, adianto, não será uma tarefa das mais fáceis, pois apresentam muitas características que se inter cruzam e se inter penetram, assim como as cores de um arco-íris até se definirem em seus tons individuais.

No entanto, uma dessas categorias me chamou a atenção: os Espíritos "pseudo-sábios" (pela nova ortografia, "pseudossábios"). Aqueles cujas manifestações verbais não “passam de reflexo dos preconceitos e ideias sistemáticas que nutriam na vida terrena”, ou seja, enquanto "vivos" ou encarnados. Tem uma relativa cultura e por isso falam de todos os assuntos com desenvoltura, mesmo correndo o risco de cometerem enganos, que acreditam serem “verdades”. Dirá ainda, o autor: “É uma mistura de algumas verdades com os erros mais polpudos, através dos quais penetram a presunção, o orgulho, o ciúme e a obstinação, de que ainda não puderam despir-se”.

Não obstante esse aparente conhecimento demonstrado, encontram-se ainda situados na terceira ordem, isto é, a dos Espíritos imperfeitos. Sendo assim, para que comecem a adentrar - repito, comecem - as primeiras camadas do nível dos “Bons Espíritos”, ainda será necessário alcançar conquistas morais que lhe darão passaporte para esse destino de patamar mais elevado. O que se presume então, que se trata de Espíritos moralmente Imperfeitos.

Nesse sentido, vemos nos movimentos religiosos em geral, legiões desses espíritos pseudossábios dissertando sobre os mais variados assuntos, "manifestando-se" encarnados, nos mais variados templos e correntes religiosas. São aparentemente sábios, estudiosos e conhecedores profundos dos temas abordados, que discorrem com facilidade e são capazes de convencer multidões acerca dos seus pontos de vista e opiniões.

No entanto, em nome de uma imperfeição declarada com antecedência – tendo em vista que são humanos - e que o progresso não dá saltos e ainda, que a felicidade não é deste mundo, permitem-se e justificam com isso os mais diversos tipos de delitos comportamentais, éticos, morais e sociais, sendo absolvidos por seus fiéis e seguidores.

No Evangelho de Mateus, no capítulo 23:17, encontraremos Jesus fazendo um alerta em relação aos falsos religiosos da época, chamando-os de “sepulcros caiados”, ou seja, túmulos cheios de podridão por dentro e que por fora tem aparência branca como flocos de algodão.

Seguindo adiante, iremos o encontrar o Rabi da Galiléia classificando esses mesmos indivíduos como “hipócritas”, que falam e ordenam aos outros aquilo que não sentem ou não praticam. Ditam regras para serem seguidas, mas eles mesmos as burlam em proveito próprio.

Adiantando-nos na linha do tempo e, chegando aos dias atuais, percebemos no meio religioso, uma releitura desse comportamento "hipócrita", que é resultado da "imperfeição espiritual", que chamaremos de “hipocrisia consentida”.

O espírito encarnado - definição também atualizada pelo espiritismo - embora sendo líder religioso em um século de informação em tempo real, mantém-se ainda, na mesma condição de pseudossábios. Dita as mesmas normas dogmáticas de submissão aos preceitos do segmento religioso que abraçou, faz as mesmas ameaças psicológicas de punição pelas falhas morais praticadas, relembra as mesmas promessas celestiais, mas ainda carrega por trás de tudo isso a intenção de manter a sua imagem, o poder, o controle de pessoas e consciências, proclamando-se subjetivamente, representante da divindade na Terra - ou mesmo, de seres superiores que os dirigem e orientam.

Distantes ainda, de uma reforma moral suficiente para adentrar novas categorias do progresso espiritual, oprimem de forma velada, fiéis seguidores de doutrinas que, embora repletas de orientações benéficas ao espírito, deixam margem a muitas formas de arbitrariedades, contrastando com o exercício do mesmo livre arbítrio pregado.

Muitas dessas doutrinas ensaiam discursos sobre o “conhecereis a verdade” do Mestre Nazareno, mas escondem a essência dessa máxima que é justamente o seu complemento, isto é, o “ela vos libertará”. No entanto, se ao conhecê-la ela libertar-lhe, pra que servirá o líder religioso, o sacerdote, o doutrinador? Haverá sim, uma perda para essa classe de religiosos e, consequentemente, do poder individual e institucional.Perdas consideráveis para as vaidades e os orgulhos pessoais - e por que não, coletivos?

E assim, a hipocrisia consentida segue consentida pelas massas de fiéis, pois vai sendo usada sob forte argumentação, pelos líderes pseudossábios. Os seguidores por sua vez, pouco questionadores, sentem-se confortáveis em suas posições de fiéis, uma vez que possuem alguém que pense por eles e faça as necessárias intervenções junto à divindade ou aos santos, mentores espirituais, avatares, etc..

Nesse contexto, se porventura, algum dos seus seguidores decide-se por fazer um voo solo, "libertando-se com essa verdade" no sentido da própria interpretação dos ensinamentos difundidos coletivamente, logo é excluído do círculo de ação, para não contaminar os demais com suas ideias revolucionárias.

Não serão como outrora, queimados em praça pública como hereges, mas serão igualmente alijados do processo ou até mesmo “convidados”, direta ou indiretamente, a se retirarem do convívio daquele grupo, sob os mais variados pretextos: questionador, blasfemador, obsedado, perturbado por demônios entre outros adjetivos análogos. Tal exclusão ocorrerá com a aquiescência dos demais, tanto por coadunarem as justificativas apresentadas, quanto por temerem ser o próximo da lista.

Assim, vão-se mantendo hierarquicamente, grande parte dos líderes de movimentos religiosos institucionalizados, ditando regras e caminhos para a espiritualização materialista alheia que nem sempre estão dispostos ou trabalhando para seguir.

Trata-se então, de pessoas más? São criminosos que devem ser denunciados? Não necessariamente, no sentido perverso da palavra! Podem eles ser, até mesmo, Espíritos imperfeitos que acreditam sinceramente estarem realizando seus desígnios celestiais na Terra e estarem também enganados, assim como estão aqueles que os seguem. É onde o Mestre Nazareno torna a alertar sobre “cegos guiando cegos” e que ambos cairão no abismo da ignorância.

Sendo assim, o que se propõe como solução possível?

Não quero incorrer no erro de parecer pretensioso e prescrever soluções para questões milenares, individuais e tão complexas. Descrevo apenas um dos possíveis caminhos: o do estudo metódico e observação da Vida como ela se processa, buscando se libertar de fórmulas preconcebidas e modelos preestabelecidos. Para tanto, faz-se necessário nesse caso, permitir-se a abertura de outros horizontes, compreendendo outros pensamentos filosóficos e admitir novas possibilidades além ou a partir das suas doutrinas próprias escolhidas. Abrir-se para o desconhecido para que ele se torne conhecido dentro de nós. E abster-se do radicalismo, procurando viver com sinceridade a humildade socrática ao admitir que “só sei que nada sei”.

Vinicius Cabral

Mestre e Especialista em Gestão Integrada do Território

Jornalista e Produtor Cultural

 
 
 

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